quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A Half-Read Book

And I think that you are like a good book I have left half-read: I am eager to know what is coming next, but I still fear it can ruin what I have already read.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Marionette Show

I feel my restless mind will never match the steadiness of life.
Have it all been rehearsed? Or is it just a déjà vu?
It is just because I feel I live the same old chapter of a slow-paced book.
I make an effort not to believe that is all it is ought to be
I feel I am in a marionette show and even if I am the most resigned
The strings that move me up and down
The strings that take me back and forth
They will be the same to strangle me.

sábado, 7 de novembro de 2009

A Aliança

Acordou naturalmente e feliz por não ter sido despertado pelo celular e, ainda se espreguiçando, tateou a mesa de cabeceira. Tateou, tateou e nada. Esfregou os olhos, resmungou alguma coisa e se levantou para abrir janela. Com a luz do sol invadindo o quarto e iluminando o corpo de Fernanda, ele se dirigiu à mesinha onde deveria estar a aliança. Olhou nos arredores e nada, abriu a gavetinha e nada, passou a procurar por todo o chão do quarto, olhou embaixo da cama, levantou tapetes e nada. Não estava lá e naquele momento já estava bem acordado para perceber a gravidade da situação.
- Volta pra cama, paixão - disse Fernanda, com a voz sonolenta. Ele, entretanto, não tinha ouvidos para ela. Revirava os bolsos das calças, virava a mala de cabeça para baixo, abria as gavetas e as portas do guarda-roupa repetidamente e chegou a procurar dentro de sapatos. O desespero se transformava em um suor quente que escorria pela sua face e em um tremor que tomava conta de suas mãos. “Puta que pariu!”, pensou ele parado no meio do quarto enquanto tentava inutilmente reconstituir os seus passos do dia anterior. Não conseguia pensar em como poderia ter perdido o anel – chegara em São Paulo havia três dias, falsa viagem de negócios, a amante é que morava providencialmente em outra cidade. Não, a aliança não tinha saído do quarto em nenhum momento e o vôo de volta para casa era em 5 horas. O que ele diria para a esposa?
Talvez encontrar a desculpa não fosse assim tão difícil se ele já não tivesse inventado outras tantas em outras viagens. A aliança já tinha caído no ralo do banheiro, já tinha sido roubada e inclusive engolida pelo cachorro de um amigo. A mulher aceitara essas explicações sem apresentar nenhum questionamento. Dessa vez, entretanto, ele não conseguia pensar em nada que explicasse o seu retorno para casa sem a aliança. E ele tinha a melhor esposa do mundo, dedicada com ele e com as crianças, exímia dona de casa, bonita e sempre impecável. Então por que a amante? Isso era claro, esposa era esposa, a outra era a outra. Lembrou-se que ela o esperaria como sempre com um jantar delicioso, se lembrou que ela ligava pontualmente às 18h todos os dias em que ele estava fora, assim ele não precisava ligar e nem se preocupar com uma ligação inoportuna.
Fernanda acordou e ele nem lhe deu atenção, resolveu sair e perguntar na portaria do prédio, nos restaurantes onde tinham jantando, em todos os lugares onde pode lembrar. Nada, era inútil, havia perdido a aliança. “Imbecil!”- falou alto, recebendo olhares de estranhamento dos vizinhos que estavam com ele no elevador. Voltou para o apartamento e imaginou a situação: ele diria que tinha perdido a aliança, a esposa prontamente desconfiaria e exigiria melhores explicações, ele, já demonstrando nervosismo, seria incapaz de apresentar qualquer justificativa decente e entregaria anos de viagens falsas e gastos excessivos com o que ele sempre chamara de “investimentos profissionais”. Ela choraria e ameaçaria ir embora, gritaria impropérios e ele teria que aceitar porque a culpa era toda dele. “Imbecil!”.
Foi embora brigado com a amante, sabia que ela o tinha xingado muito, mas a preocupação com a volta para casa era tanta que ele não ouviu uma palavra sequer. No avião, pensou que talvez devesse ter tentado comprar outra em São Paulo, mas sabia que a esposa era observadora e perceberia qualquer mínima diferença. Será que não tinha procurado direito? Já era tarde demais, suava muito e a aeromoça perguntou se ele estava se sentindo bem. “Medo de avião”, ele respondeu. Chegou em Porto Alegre e apanhou um táxi para casa. O momento do confronto estava próximo. Ela perceberia na mesma hora.
Abriu a porta de casa e a esposa desceu correndo as escadas. “Meu amor!” – ela disse – “Bastam poucos dias para eu quase morrer de saudade!” Deu um longo abraço no marido, contou algumas novidades e o achou estranho.
- Tudo bem?
- É... mais ou menos, meu amor. Vou te dizer agora, antes que tu pergunte, olha só – falou mostrando a sua mão – perdi a aliança, foi quando eu fui jantar na casa do meu colega e acho que a minha mão estava...
- Ah, tudo bem, querido – disse ela, dando um tapinha na bochecha do marido – a gente manda fazer outra pra ti.
Quando ela virou as costas, ele fechou os olhos e respirou com alívio. Finalmente largou a mala e, enquanto se dirigia ao quarto, contemplou a perfeita organização da casa. Chão encerado, almofadas metodicamente arrumadas no sofá, a cama impecavelmente feita e o banheiro perfumado. Ela sabia que ele gostava da casa em ordem. Não percebeu que o rolo do papel higiênico encontrava-se do mesmo tamanho e que o tubo de pasta de dente continha a mesma quantidade de pasta. Foi tomar banho e nem percebeu que, na verdade, estava tudo do mesmo jeito que ele havia deixado.

domingo, 18 de outubro de 2009

Nothing's changed.

My life has changed
In so many ways
I cannot believe
That I'm still the old same.

domingo, 11 de outubro de 2009

Saudade

É pior que a angústia que aperta o peito
Que se estende por noites e que para o tempo.
É pior que sentir o coração quebrado
Estilhaçado em pedaços difíceis de remontar.
É pior que trilhar caminho obtuso
Arrependimento doído num passado perdido.

É pior que qualquer sentimento obscuro
É não ter solução, é ignorar a razão.
Pior que qualquer sofrimento agudo
Que rápido derruba, mas que o tempo dissipa
É a saudade constante, corroendo por dentro,
Secando as lágrimas e ensinando a lição
De que ela é eterna e de impossível extinção.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

( I can get) Satisfaction

Cansei. Cansei de ser reclamona, de ser insatisfeita com as coisas. A insatisfação é um fantasma que me assombra, mas tenho que me lembrar de que não acredito em fantasmas. Penso às vezes o quanto da vida eu perco fazendo reclamações, querendo ter o que não tenho, querendo ser o que não sou. A faculdade é sempre um saco, o trabalho é monótono, o corpo não agrada ao espelho. É sempre assim e sempre será. Não existe o suficiente, sempre quero mais, todo mundo sempre quer mais. Mas Cazuza estava certo, o tempo realmente não para. A gente nem percebe, mas cada minuto é precioso, o agora é muito efêmero, nada tem volta. Tudo passa, sempre. Não é falta de ambição, é a capacidade de encontrar um sentido no caminho escolhido, não pensar naquele que a gente deixou passar. A vida é feita de escolhas, por mais piegas que isso possa parecer. As escolhas nem sempre são as mais acertadas? Acontece. Ninguém nunca nasceu sabendo, é tomando tombos que a gente aprende a levantar. O importante é deixar o passado lá atrás, mas sem ter medo de ao longo da caminhada dar uma olhada para trás e sorrir. Aconteceu, cresci, segui. O futuro? Sim, deixa ele pra frente. Alguém uma vez disse “deixa a vida me levar” e isso é tão bom. Viver o futuro é viver o presente com angústia. Deixa que a vida nos leve, nem tudo está sob o nosso controle – contanto que se mantenha sempre a cabeça no lugar e os pés nos chão.A rotina é cansativa, ela suga as nossas forças, testa nossa capacidade de sobrevivência. Mas, como disse Clarice Lispector, a vida é como um soco no estômago. E é mesmo. Viver achando que tudo sempre poderia ser diferente não vai atenuar essa dor, só vai fazer dela uma dor permanente. Existe algo de bom em se conformar, não em ser conformista, mas em ser feliz com as coisas como elas estão, aproveitar que cada momento é insubstituível. A insatisfação traz aquele aperto chato no peito, aquele que a gente não resolve nunca, porque a satisfação plena é inalcançável. A gente vive numa busca constante pela felicidade, pelos mais diferentes tipos de realização. Mas por que buscar e não viver? Por que o que temos agora não é felicidade? Eu cansei disso. Chega de reclamar, chega de desejar hoje o que só se pode ter amanhã, chega de querer ser aquilo que não sou. Chega. Eu quero me satisfazer com o que vivo agora. Eu quero mesmo é ser feliz agora.

domingo, 27 de setembro de 2009

She

As she gets closer to me I start feeling butterflies in my stomach. She looks mysterious today, I think it is because of her sunglasses, I had never seen her in a sunny day before. She walks beautifully as her long straight highlighted hair swings from side to side, along with the warm breeze of spring time. The pair of jeans she is wearing makes her hips look curvier as if she was trying to disguise her petit figure. I see her turning her eyes towards me, but they never look straight to me, I feel them over my head and I make a fool of myself because I cannot help staring at her. She passes by me in a few seconds which I feel like heaven’s eternity. I remain sat in the park bench, she has got me paralyzed and I miss her disappearance along the way. When I finally wake from my daytime dream, she is already gone. She will be back, she always does. I keep her image in my head for as long as possible, but it is never long enough. She is everything I have ever wanted to have – I did not get to see her dark brown eyes today – she is all I could ever dream about – she does know how much I care – she is just everything I have ever wanted to be.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mecanização

Após sucessivas quedas
Já não me cansa levantar
Descobri dentro de mim
Um ser inorgânico
Incapaz de reagir
Incapaz de se mostrar.

O remorso se dissipa
E as mágoas nem mesmo alcançam
Os meus meios mecânicos:
Pelos olhos ressecados
Pelos filtros auditivos
Nada passa, tudo desmancha.

Retrocesso instintivo
Rumo à inércia progressiva.
Pessoas apagadas tal qual memória deletada
E o humano que sufoca
Em meio a fios avermelhados
Só lamenta ter chegado
Ao triste resultado
De egocêntrico aprendizado: indiferença.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Guerra

Ela me suga as forças
Ela me fraqueja as pernas
Não há trégua
Não há bandeira branca
E entre mortos e feridos
Sobrevivo bravamente
À rotina dos meus dias.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Until the masks fall off (2)

There is only one case in which the mask should be kept: when there is nothing behind it. When you realize you’ve been misled by your own lies and that there is nothing but shallowness behind your fake smile, the mask ought to be glued. Being nothing besides what you show to people in even more embarrassing than being something and not showing it.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Abstinência

Sabia que tu viria até aqui, até que tu demorou bastante, sim, eu vi as tuas mensagens na secretária eletrônica, é que eu não quis te ligar de volta e a verdade é que quando eu via que era tu que tava me ligando eu simplesmente preferia não atender, não quero mais nem ouvir a tua voz, mas como tu já tá aqui é melhor tu ouvir tudo o que eu tenho pra te dizer, eu sigo não querendo nem ouvir a tua voz, então só me ouve, tá bom, vai lá pegar um copo de suco, espera, não tem mais, pega refri mesmo, bota gelo então, ora essa! olha, normal, né? tu já reclamando, eu cheguei a conclusão que tu é que nem criança pequena, sabe? a gente acha bonitinho, fofinho e acaba fazendo as vontades até que aquela coisinha bonitinha toma conta da gente, tu é bem assim, não consegue ouvir um não, na primeira negativa já faz birra e assim é, daí tu consegue tudo o que quer, eu não conseguia te dizer que não e dizia que sim e tudo girava em torno disso, te agradar, te deixar feliz, “ai, ele não pode ficar brabo, ai, se ele vê isso vai brigar comigo”, verdade sim, eu tinha medo de ti, pode uma coisa dessas? se tu não tá entendendo eu te dou outro exemplo, lembra do Zipo? coisa querida aquele cachorro, mas a gente mimou ele, e ele mijava no tapete da cozinha e a gente brigava com ele, ele ia lá no outro dia e mijava de novo, até que chegou um dia que a gente só forrou o tapete pra ele, ele tomou conta, a gente teve até que se desfazer do pobrezinho, sim, é tu sim, que nem o Zipo, impondo vontades, criança mal-criada, só que eu achava que não podia me desfazer de ti, é que eu não conseguia, mas é que na verdade nem passava pela minha cabeça, por um tempo eu achei que não existia vida sem ti, como se a gente tivesse nascido grudado, mas não, que absurdo! Sim, sim, eu sei que tudo começou muito cedo, é, a gente se criou junto, mas tu não vai conseguir me comover, eu já te conheço do avesso, eu sei que isso aí é conversa, não consegue viver sem mim porque é cômodo, né? é, deve ser bom mesmo ter uma pessoa tentando te agradar 24h por dia, eu não tô exagerando, é verdade, é, eu tirei todas as fotos, todinhas, pode olhar, não tem vestígio teu, seria melhor se tu não tivesse vindo, vai ficar agora um pouco do teu cheiro, e tu lembra, claro, quando a gente decidiu parar de fumar, né? e agora que eu me dei conta do absurdo da gente ter um cachorro chamado Zipo, naquela época a gente não ficava perto de ninguém que tava fumando para não ficar com vontade, e que vontade desgraçada, eu tenho ainda vontade, mas é a mesma coisa, eu tirei os teus vestígios pra perder a vontade de ti, pra te esquecer, e aí a gente queria sair e comprar cigarro, mas acabava não indo porque lembrava da respiração ofegante e dos dentes amarelados e por isso que às vezes eu pego o telefone, mas não ligo porque eu lembro que já to cansada de chorar e pra passar a vontade eu saio, vou nem que seja sozinha no cinema, eu vou dar uma caminhada e eu até choro, mas eu choro de felicidade por ter feito a coisa certa, e volto pra casa e já esqueci que ia te ligar, e que nem os isqueiros e cinzeiros que joguei fora, eu coloquei aquelas fotos todas no lixo e, sim, sim, que eu fico me batendo nas paredes com vontade de ti, mas eu deixo isso passar, porque tu bem sabe que passa, lembra que a gente roía as unhas e comia balas pra passar a vontade de fumar, é a mesma coisa, eu sei que isso é só uma crise de abstinência, ela vai passar,a gente já teve recaídas demais, chega, porque era isso que eu queria te dizer, porque te tirar da minha vida tá sendo assim, eu sinto como se tivesse um vazio na rotina, eu tô aos poucos achando com o que preencher, mas eu sei que consigo, eu sei que é ruim ouvir isso, mas eu ouvi coisa pior por muito mais tempo, é, te tirar da minha vida tá sendo bem assim, como se eu estivesse me livrando de um hábito ruim.

sábado, 5 de setembro de 2009

Reflexo

Saudade de quando
Eu fui e voltei
Ou não fui e fiquei
Me olho no espelho
Me vejo assim
Sem eira nem beira
Ou me vejo assado?
Cheio de certezas?

É vida ou morte?
Que veloz me atropela?
Que contradição
Dizer sim quando é não
Sorrir ao sofrer
Machucar pra valer.
Medo de saber
O que nunca soube
Medo de ouvir
O que sempre se ouve.

Eu olho no espelho
E não reconheço
Fui sempre assim?
Só indecisão?
Pra cá ou pra lá?
Falar ou calar?
Me olho no espelho
De fato eu conheço
E o que eu vejo
É só confusão.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

To Dad, with love

I feel you next to me in every Lighthouse Family song
And we would listen to them in our way home.
I feel I am a little bit of you in every destroyed toothbrush
And I just wonder how we could be so unconsciously alike.
I feel you are alive in every beat of my heart
For I will forever keep the remembrances warm.
It is not fair that you were taken away from me
And I try my best not to blame you for that.
It is just so painful I could not show you how much I cared
I hope you understand I had been taken by a childish pride.

No matter how hard I try, there are no words that can describe
The sorrow I am feeling inside.
There is a stream of tears dropping from my eyes and I do not know why
I have never missed you the way I miss you tonight.

domingo, 30 de agosto de 2009

Funeral

Eu estava ali imóvel sentindo-me completamente impotente. Ela andava pelo quarto vestindo uns jeans que revelavam seus quadris estreitos e suas pernas finas e, naquele momento, estava parada na frente do espelho escondendo a sua pele intocada com blush e batom. Desfilava com um par de sandálias cujos saltos disfarçavam a sua baixa estatura e as longas unhas pintadas de vermelho seguravam uma caneta que imitava um cigarro. Eu queria chorar, gritar, a fazer acordar desse pesadelo que se revestia em sonho, porém eu era incapaz. Ela impiedosamente me sepultou no fundo de um armário e eu sofria. Sofria não pela minha curta existência, mas porque sabia que a infância que ela precocemente enterrava não poderia nunca mais voltar à vida.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Ex

Por mais diferentes que sejam as pessoas, a verdade é que os relacionamentos se repetem. Quem nunca se pegou comparando o(a) atual com o(a) ex? Ou ainda,quem nunca viu que as pessoas cometem erros parecidos? Homens e mulheres têm comportamentos padrão. Seja isso causado por fatores culturais ou pelo instinto natural de cada sexo, o que importa é que homens são insensíveis e que mulheres se preocupam e morrem de raiva sim se eles não percebem o novo corte de cabelo.
Eu como mulher, posso manifestar um pouco das nossas peculiaridades não tão peculiares. Um assunto sempre vai se repetir, vem namoro, vai namoro e é o triste fato de que o seu namorado tem uma (ou mais, aquele desgraçado) ex-namorada. Já ouvi depoimentos de amigas próximas, de outras nem tão próximas, já vi dentro da minha casa e a opinião é geral: a ex deve morrer. Claro, não desejamos sinceramente que ela morra, até porque a culpa seria muito grande. Queremos apenas que ela seja abduzida ou que ela fique bem gorda e feia. Pior que comparar o próprio namorado com o ex, é se comparar com a ex dele, mas isso é inevitável. E, enquanto o homem se preocupa se o teu ex era melhor na cama que ele, a mulher se preocupa se a biatch recebeu do dito cujo a mesma dedicação ou se ela usa o mesmo manequim.
O namorado vai sempre insistir que tu é mais bonita que ela, que ele te ama mais, que ela não significou nada e várias outras besteiras. Isso vai entrar por um ouvido e sair pelo outro, por mais que ele repita milhões de vezes, porque, convenhamos, nós queremos mesmo é vasculhar a vida que o namorado tinha antes de nos conhecer. Existem procedimentos para que isso seja feito da maneira mais convencional e, por isso, menos suspeita, uma vez que toda mulher já fez o absurdo, talvez movida pelo natural instinto de competição ou pelo fantasma da ex materializado numa forte onda de ciúme:
- Fuxicar na vida virtual da ex: seja sozinha suando frio ou rodeada de amigas, é natural fazer a busca pelo orkut da criatura. O objetivo é encontrar fotos que mostrem que ela é uma loser e que não desfruta de nenhum dote físico. Assim, tu pode pensar que ela foi apenas um erro que o teu namorado cometeu.
- Fuxicar nas coisas do namorado: pode ser no computador ou na gaveta de meias. O objetivo aqui é encontrar cartas, fotos, presentes, qualquer coisa que esteja relacionado ao namoro dos dois. O melhor é não encontrar nada e ver que ele jogou tudo fora porque ocupava muito espaço.
Foi possível verificar que as táticas envolvem fuxicar muito, fazer das tripas coração para que provemos para nós mesmas que somos melhores, que a ex é apenas um percalço, uma pessoa que poderia não existir, é verdade, mas que existe para que saibamos que somos melhor que alguém. O problema, entretanto, é apelar para esses procedimentos desesperados e não alcançar o objetivo. Isso é de fato terrível porque ela pode ser manequim 36, ter belos olhos claros, ser super popular e super simpática. Esses últimos itens podem ser descobertos caso vocês vivam o infortúnio de conviver com as mesmas pessoas. Aí a vontade é de arrancar os cabelos e chorar.
Não querendo parecer vendedora de creme para celulite, só posso nesse momento dizer que sim, há uma luz no fim do túnel. Existem vezes que deixamos nossos instintos femininos vencerem a racionalidade, mas esse é o caso de repensar um pouco as nossas atitudes:
- Wear your heart on your sleeve: se é impossível não fazer a big deal out of it, é melhor falar francamente com o namorado: talvez sabendo mais sobre o que ele passou, vocês encontrem coisas em comum em seus passados que levem a bons motivos para estarem um com o outro e não com seus exes.
- Let it go and move on: não é saudável preocupar-se demais com a ex. Isso deixa de ser divertido no momento em que passa a interferir no cotidiano do casal. Take a deep breath e lembre-se: viva a vida de vocês e não a vida que eles tiveram juntos.
- Acreditar nele: why not? : parece loucura, mas ele pode estar sendo sincero! Pode ser que ela seja muito linda e sei lá que mais, mas ele te acha mais linda, mais interessante, mais tudo. Acredite: pode ser a mais pura verdade!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Consumação

- Ai, amor, assim nunca vai dar certo. Espera pra colocar que eu tô nervosa – disse a namorada, a qual não conseguia controlar o tremor que dominava seu corpo. Era um nervosismo previsível, porém inevitável – ela sabia que naquele momento se sentiria assim, sabia que ambos estavam esperando há muito tempo e, por isso, tudo deveria ser perfeito.
Naquele instante, então, o namorado recuou. Ele receava que a dúvida tivesse começado a rondar os pensamentos dela. Eles eram jovens, nunca tiveram o apoio da família, talvez aquela hesitação significasse que a moça tinha desistido. Entretanto, ele partilhava da mesma excitação e era impossível disfarçar, pois a preparação para aquela noite tinha sido longa: comida preparada por ele mesmo, o vinho que ela adorava, música agradável. Enfim, haviam ambos criado expectativas demais.
- Meu amor, tu sabe que não precisa fazer isso. Eu entendo se não for o momento, somos jovens, tu ainda mais que eu. Olha, eu vou até tirar ele da tua frente, não quero te ver assim, exasperada- disse o namorado engolindo seco porque, na verdade, ele queria muito que aquilo acontecesse.
- Não, eu juro que quero, amor. Não sei porque não consigo parar de tremer, é que ver ele aqui na minha frente me assusta um pouco, mas eu estou certa de que é isso que quero. Vem cá, vem. – ela falava agora com mais segurança e, como que para se recompor, tomou um gole graúdo de vinho.
Ela puxou o namorado pela mão para junto de si e acariciou seu rosto. Ele sentiu o gosto do vinho em sua boca e a beijou com ardor. Ela estava um pouco embriagada, mas ele a conhecia o suficiente para perceber que agora ela estava certa do que fazia. Ele então sentiu seu rosto molhado pelas lágrimas da namorada, ela sorriu e sussurrou que era impossível conter o choro. O abraço havia feito o tremor do corpo dela cessar e agora ela se sentia segura junto ao corpo do namorado. Ele, então, agora também com lágrimas nos olhos, pegou o anel de volta da embalagem e o colocou no dedo de sua futura esposa.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Nem tudo o que reluz é ouro

Se a vida não é palco, de nada serve atuar.
Tira o sorriso amarelo do rosto!
Eu te vejo por trás de todas essas coisas
Elas brilham e eu quase me deixo enganar.

Eu te descubro ator, personificas cobiça.
Entretanto, não te condeno os meios,
Nem invejo o poder do teu ter.
Precisas de todo esse ouro te revestir
Para que possas disfarçar a opacidade do teu ser.

domingo, 16 de agosto de 2009

Enjaulado

Quando me dei conta, estava diante de uma estranha paisagem artificial. Animais gigantes com garras tão grandes quanto haviam me tirado de casa de uma maneira tão rápida e violenta, que eu não tive tempo de pensar em nada. Eles me largaram naquela jaula que tentava imitar a minha casa e o que mais incomodava era ver os outros agindo como se tudo aquilo fosse muito natural. Alguns deles me disseram nunca ter visto outro lugar, outros pareciam desacreditados quanto à ideia de um dia poder sair dali. Em certo momento, resolvi olhar à minha volta e vi que aquele monstros que tinham me seqüestrado agora andavam ao meu redor e faziam barulhos estranhos, como quem tenta travar uma comunicação.
A raiva tomou conta de mim e tentei ir em direção àqueles que tinham tolhido brutalmente a minha liberdade. Não consegui. Algo que eu não podia ver me impedia de ir em frente e vi que realmente estava enjaulado. Jaula da pior espécie, pensei, visto que ela quer dar a impressão de uma liberdade fictícia. Enquanto os outros iam de um lado para o outro de uma forma mecânica, eu me desesperava junto às grades invisíveis. Não conseguia entender como eles poderiam estar tão conformados, tão automatizados por aquele ambiente artificial. Pensava que talvez pudesse haver uma maneira de sair dali, de voltar para casa, porém percebi que era impossível: era como se na verdade eu estivesse dentro de uma caixa transparente.
De repente, percebi que meus vizinhos estavam alvoroçados e então, uma chuva colorida começou. Eles saíram de seus falsos esconderijos ou pararam com o seu desfile vicioso para alcançar a chuva. Resolvi então averiguar o que estava acontecendo e foi então que tive plena consciência de onde estava me metendo. Ou melhor, de onde haviam me metido. Aquilo não era chuva, era comida. Aquilo a minha volta não eram grades e sim vidro. Foi aí que percebi que estava tudo perdido: teria que me alimentar daquela chuva colorida e teria que nadar para sempre em círculos.

sábado, 15 de agosto de 2009

No fundo do poço

No fundo do poço encontrei
Os cúmplices errados
Os medos mistificados
As mentiras bem-disfarçadas
E as mudanças evitadas.

No fundo do poço chorei
As palavras engolidas
As lágrimas contidas
Os planos frustrados
E os caminhos ignorados.

No fundo do poço me deparei
Com todos os infortúnios
Passados e presentes
Com todos os equívocos
Racionais ou inconscientes.

No fundo do poço eu não vi
Escadas nem passarelas
Nem atalhos ou elevadores.
Para sair de lá, as mãos são instrumentos
E a coragem, alimento.

Quando do fundo do poço eu finalmente saí
E para baixo olhei
Vi que um pouco de mim lá ficou
E muito dele em mim se fixou.

What is time to do?

I feel like time has stood still
Or has it just gone by so quickly?
Maybe it has flown past us
Without its usual outstanding ways.

Is it me who is asleep?
Perhaps time is playing tricks on me
For there is no yesterday I can remember
There is no tomorrow I can foresee.

Time is probably mocking me
Or is it trying to blind me?
For it is not making me face it
As it usually forces me to.

There is no doubt about it now
I have understood the powerlessness of time
It is actually you who make me feel
Like I have lost the track of time.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Until the masks fall off

People don’t ever change, they really don’t. When they have to improve themselves and they actually do it, you better know it won’t last long. And when you think they have suddenly become mean or they have gotten particularly self-centered, I’m sorry to say - and I may sound harsh – it’s very likely that they simply never were what you thought they were. It’s heartbreaking and frustrating when you get to see the masks falling off, but don’t blame yourself. There are people who have their masks so well attached to their faces that it’s impossible to see what’s behind them. The most important thing to keep in mind though is that these ugly faces will eventually be shown.

domingo, 9 de agosto de 2009

O amor é estranho

Pratos voavam e porta-retratos eram atirados pela janela. Essa era uma cena já conhecida pelos vizinhos do jovem casal que costumava ser assunto constante para os fofoqueiros de plantão do prédio onde viviam. As brigas eram recorrentes e aconteciam pelos mais variados motivos, certa vez tinha sido porque ele chegara em casa bêbado depois de uma reunião com amigos, outra vez tinha sido o celular que ela tinha esquecido desligado, etc. Entretanto, os desentendimentos sumiam tal qual surgiam, porque após pouco tempo, geralmente no mesmo dia, era possível ver o casal sair apaixonada e alegremente do prédio, sempre de mãos dadas e com cumplicidade no olhar.
O choro borrava a maquiagem da moça, a qual cerrava os punhos de tanta raiva. Era ela quem tentava arremessar pratos na cabeça do namorado enquanto ele se esquivava com habilidade – já era expert nesse esporte. Naquele momento, os porta-retratos já estavam no chão e ele sabia que a síndica faria questão de levar a multa pessoalmente dessa vez. Ele tentava acalmar a namorada, dizendo que o e-mail que ela tinha lido era antigo, que ele não se comunicava com a ex há muito tempo, mas seus esforços pareciam ineficazes e ele temia que eles alcançassem o próximo nível – o das roupas tiradas do guarda-roupa. Ela gritava e ele já nem entendia o que ela falava, ele concordava – sim, ele era um imbecil – e dizia que a amava mais que tudo, mas reiterava que nada tinha acontecido. Isso era o que mais a aborrecia: a teimosia. Se ele admitisse que estava errado, tudo ficaria bem. Mas não, ele nunca estava errado e a histérica era ela. Isso ela não admitia.
Passadas algumas horas – aquela briga estava sendo feia, pensavam os vizinhos – ela aceitou a explicação do namorado. Ele suspirou e agradeceu a Deus a santa paciência com a qual tinha sido presenteado, enquanto ela agradecia pela virtude da tolerância que tinha recebido. Eles sempre terminavam essas discussões, se é que se pode incluir violência à mobília e a objetos de decoração no conceito de discussão, sem realmente concordar com coisa alguma. Naquele caso, ela havia resolvido acreditar nele enquanto ele se considerava vitorioso por se fazer acreditar. Não, ela não achava que o e-mail era antigo e não, ele não achava que ela estava certa em dar atenção àquele assunto. Eles apenas decidiam que estava na hora de parar e assim o faziam. Eles, então, se abraçaram, ele enxugou as lágrimas do rosto dela e ela o beijou com fervor. Eles sabiam que a cena se repetiria, que os papéis se inverteriam ou que permaneceriam os mesmos. Isso era o que mantinha nele a vontade de sempre voltar para casa para encontrar a namorada, furiosa ou não, e que mantinha nela o desejo de o encontrar fielmente no final de cada dia, teimoso ou não. E assim eles saíram de casa de mãos dadas, se olhando apaixonadamente, para, mais uma vez, comprarem um conjunto de pratos.

sábado, 8 de agosto de 2009

Sensações

Percorro a tua face com as pontas dos dedos
tua pele de seda cintila no toque.
Teu cheiro suave me invade as narinas
e eu sinto perfume de fruta mordida.
Beijo teus lábios como quem saboreia
Uma ígnea guloseima que faz salivar.

Tuas mãos deslizam pelas minhas coxas
e doces faíscas eu vejo no ar.
Teu coração palpita bem junto do meu
ele se faz ritmar em acelerado escarlate.
Teu rosto molhado exala um salgado picante
que eu sinto dourado de olhos fechados.

Em translúcida satisfação, te procuro em vão
Te esfacelas em segundos em minhas mãos.
No quarto vazio, eu sinto o escuro
Se foi o rubi, ficou pálido azedume.
Depois de conhecer a tua onírica essência
Me deixas sozinha em amarga solidão.

Parasitas

Ao adentrarmos o Vale dos Macacos – por entre víboras, serpentes e aracnídeos de espécies e tamanhos diversos – percebi estarmos sendo notados por Pigmeus de olhos carmesins; eram quase rubis a chamejar nosso avanço por entre a densa mata. Mais adiante, ao tornar meu rosto coberto por suave gaze, tive os olhos chamuscados pelo cintilar do cristalino fungicida espalhado em nossa trilha.

© Maria Cristina Schleder de Borba

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

In Disguise

Não te enganes com a minha aparência comum
Não te confundas com os meus gostos banais
Ou com o meu vestir sem graça
Nada do que chega aos teus olhos é o que vai além dos meus.

Não te iludas com a minha rotina vulgar
Não te rias das minhas atitudes-clichê
Ou do meu jeito estereotípico
Toda a transparente obviedade funciona como um espelho teu.

Não te enganes com a minha provável superficialidade
Não te confundas com os meus hábitos triviais
Ou com as minhas posses ordinárias
O que fazes é passar os olhos ao invés de ler o que de fato é meu.

Se fores capaz de as minhas camadas desvendar
E a minha trivialidade desinflar,
Descobrirás que o que sou
Sai de um lugar muito comum para um muito peculiar

terça-feira, 4 de agosto de 2009

I will do it my way

I was once told there were two ways I could head to. “Follow this one”, they said while pointing towards a well paved path. It did look rather interesting, for it had flashing signs and led to beautiful buildings. “It indeed seems to be a very nice way to walk through”, I thought. People with smiling faces called me and said everything there was steadily arranged and that I would never be struck by the unexpected.
As my curiosity regarding the second way grew, I decided that was the one I would follow. Although it did not look as bright as the other and I could not even see through it for it was dark and its flooring was all bumpy, I figured it was challenging. I lit up a candle and moved forward. It was quite a long journey and throughout it I had to build up constructions and as they fell I had to do it again; I also had to make my signs so it would attract those I cared about.
Yet I knew it would take a long time for my path to be as remarkable as the one I was invited in, it still looked much better, for it had much more of me, for it was my own.

domingo, 2 de agosto de 2009

Goodbye

As I watch you go
I try not to despair
After all the deceiving, I will be unforgiving
I feel the distress and I struggle to despise it
Because you have been untrue for too long
You have worn such a believable disguise
That I have lived the same lie
I want to ask for you to stay
Because I feel you are taking all that is left of me
I say however “Shut the door as you leave”
Yet I feel I have wasted too much time
I see this time there is life ahead of me.

R.I.P.

Enquanto a tua carne esfria, tua existência se extingue em meio a preces e lágrimas
Não há luz, não há chamas e te contentas com o colorido das flores
Assusta-te teu corpo, impassível, indiferente
Revives um passado agora embaçado, surges num futuro inexistente
Em sonhos que visitas ou pesadelos que assombras
Vês-te naqueles que ficaram e desespera-te o quanto mudaram
Tomaste um formato desgraçado, cobiça, ganância
És casa, és carro, és estranhamente concreto
Voltas pra escuridão do teu lugar, escuro, distante
Porque sofres por não poder chorar, sofres por não poder tirar aqueles que sempre te amaram
Do abismo da cegueira em que estão enterrados.

sábado, 1 de agosto de 2009

Wind Serpents

I never though Serpents could fly,
till you came into my life,
embracing me with your warm breath
and caressing me with your long wings.

Only many years after our first meeting,
I did realize the power of your poison,
the subtleness of your malicious genes,
the reason for the many years of delusion.

For I had been drinking from the most harmful
of the potions, the one that makes you silent,
that showers your dreams and turns you into a shadow.
You took my heart and soul and flew away as Wind Serpents do

Silence is, after all, the saddest word,
This is my tragic saga,
Unable to a word utter,
I can tell no one
about Wind Serpents.

© Maria Cristina Schleder de Borba

Reptilia

Vejo-me Crocodila, preguiçosa
Sinto-me quente, fria... reptilia

Agrada-me muitíssimo abrir enorme boca
deixando suaves ondas
esmeraldinos peixinhos abarcarem
por entre minhas poderosas
mandíbulas.

É bom sentir o calor do sol
quando se está
em teto de zinco frio.


© Maria Cristina Schleder de Borba

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Dinheiro (não) traz felicidade

Ele sempre acreditou que a felicidade estava no ser e não no ter. O importante é a essência, ele costumava dizer. Viveu sob esses princípios durante toda a sua vida: escolheu estudar o que gostava, tentava aproveitar os momentos simples da vida – aqueles que ele via que não poderiam nunca ser comprados.
Mesmo tendo frustrado as expectativas da família fazendo escolhas poucos lucrativas, acabou entrando nos eixos: casou e teve uma filha. Foi, no entanto, com essa vida tradicional de marido e pai de família que percebeu que tinha antes disso vivido uma mentira. A mulher reclamava que a geladeira estava estragada, que ela precisava arrumar as unhas e o cabelo toda a semana, porque, de acordo com ela, mulher desleixada é mulher traída. A mensalidade da escola da filha adolescente estava, mais uma vez, atrasada, e a menina queria as roupas da moda, queria sair para festas, queria tudo o que não podia ter.
Diante da centena de contas atrasadas, das noites mal dormidas, da fachada mal acabada da casa, do choro da filha e da queixas da esposa, lembrou-se da vida sem preocupações materiais: era boa, mas não podia durar. A realidade estava ali e ela queria dinheiro e consumo. Soube, então, que só teria tranqüilidade quando tivesse meios financeiros para a comprar. O dinheiro não traria felicidade, ele sabia, mas a traria para mais perto de suas mãos.

Beleza (não) põe mesa

- Beleza não põe mesa – disse a sua mãe no dia em que ela achou que tinha levado um fora por estar um pouco gordinha.
Ela acreditou, afinal tinha apenas quinze anos, a vida ainda não tinha mostrado a ela a sua verdadeira face. Passou-se o tempo, ela levou outros foras, foi nas lojas e não encontrou as roupas da moda no seu tamanho, fez a dieta do abacaxi e a da sopa pronta e nada. Estudou muito, trabalhou mais ainda porque achava que o intelecto poderia compensar os óculos de lentes grossas e o cabelo ruim.
Certo dia, entre um diploma e outro, entre uma visita sites de namoro e outra, chorou. Viu aquelas mulheres na televisão e chorou. Aquelas mulheres kit completo a irritavam, a faziam perceber a injustiça do mundo. Apresentadora-atriz-cantora-dançarina numa só pessoa. Mulheres que trabalham mais o corpo que a mente, que ganham dinheiro se fazendo de burras. Silicones gigantes, câmeras dando closes em bundas, sorrisos artificialmente brancos. E tudo isso aplaudido e elas ficando ricas e ricas cumprindo o seu papel de mulher-objeto.
- Minha mãe estava errada – ela pensou, depois dessa reflexão, a qual não mudaria nada, apenas reforçaria a sua inconformidade com a distorção de valores.

Vingança

Eu perdoo o teu erro, sigo a minha vida e quero que sigas a tua. O meu perdão, entretanto, não acarreta esquecimento: a ferida já não sangra, mas mantém-se em carne viva. Mas eu te olho nos olhos, eu não perco o sono, porque sei bem que no teu peito carregas um corte ainda mais profundo chamado arrependimento.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Sobre ser medíocre

Nunca soube como é chegar ao topo. A mediocridade faz parte do meu ser como se fosse uma parte do meu corpo. Sabe aquela pessoa que até levanta a bunda da cadeira, mas que não vai para muito longe dela? Sou eu. Eu fujo do fracasso como diabo foge da cruz, isso é verdade. Mas o sucesso sempre me pareceu algo distante, algo reservado para um grupo seleto de pessoas, aquelas que já nasceram com algum dom. Quem não é brilhante tem que ser esforçado e quem não é esforçado é mediano em tudo o que faz. Assim o sou. Poucos grandes feitos, pouca ambição. O pouco alcançado é o suficiente para me completar. Não tento mudar, é verdade. Enquanto os outros suam, eu assisto à televisão. Seria comodismo achar que mediocridade não tem solução? Pode ser. Vou tentar descobrir? Não. A atitude do medíocre é sempre, me parece óbvio, baseada na postergação. Fazer amanhã o que se pode fazer hoje até chegar ao ponto em que nada é feito. Não ser o pior, não ser o melhor – o que está no meio pode passar despercebido.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Humanos de Estimação.

O gato tinha um pelo longo impecavelmente branco e sedoso e era um tanto gordinho, o que, para ele, era uma importante vantagem em relação aos outros felinos. Naquele momento, ele lambia cuidadosamente uma pata e a esfregava na cabeça. Foi com grande desgosto que ele viu o cão da família se aproximar para interromper seu ritual de limpeza. O gato então levantou um olhar de desprezo e se deu o trabalho de dirigir a palavra ao cão:
- Cachorro, por que estás tão alegre? Os humanos não estão em volta, podes parar de fingir constante simpatia. Chega uma hora que cansa essa tua atitude de bobo feliz, abomino essa “babação” de ovo. Sempre abanando o rabo, pulando nos joelhos das pessoas, não tens um jeito menos irritante de conseguir o que queres?
O cachorro era grande e atrapalhado e tentava pegar uma bolinha que estava de baixo do sofá. Ele era jovem e vivia derrubando vasos de flores, porta-retratos e tudo mais que estivesse ou não ao seu alcance. Recém havia chegado do jardim da casa e estava – para maior desagrado do gato – com as patas sujas de terra. Ouvindo com atenção às palavras do gato, replicou, esbaforido:
- Gato, eu nem finjo nada, tá? Pior é tu que acha que é melhor que eles, que quer que eles te façam as vontades quando tu quer. Esse sim é um jeito irritante de conseguir o que se quer.
O cão se distraía com facilidade e parou de falar quando viu que conseguiu trazer a bolinha para junto de si com uma pata. O gato apenas tentou fingir que ele não estava lá para que continuasse em paz o seu tão prezado banho. Eles viviam em harmonia, por mais que tivessem seus atritos e tinham, inclusive, uma maneira de comunicar a chegada dos humanos e aquele era o momento. O gato miou baixinho e o cão rapidamente se deitou ao seu lado com a bolinha na boca. Os seus donos – os animais deixavam eles pensarem que eram seus donos – chegaram e os chamaram:
- Cadê o gatinho fofo da mamãe?? Cadê?? – disse a mulher, com uma fatia de peito de peru na mão.
- Onde é que tá o meu cachorro preferido?? – disse o homem, com um osso na mão.
O cachorro e o gato se olharam e prontamente se levantaram. Eles não entendiam porque os humanos afinavam a voz daquela maneira, mas já estavam acostumados. O gato passou pelas pernas da mulher, ronronando e se esfregando em suas canelas, enquanto ela repetia que aquele era o gato mais querido do mundo. O cachorro pulou nas pernas do homem, abanando a cauda, e esperou que ele se abaixasse para que pudesse lamber o seu rosto. Receberam, então, as suas respectivas delícias.
Quando as pessoas saíram , o cachorro roía o osso com vontade e o gato saboreava delicadamente a fatia de peito de peru. Ambos estavam satisfeitos e devidamente recompensados, tal qual os humanos que deixavam a sala.

sábado, 25 de julho de 2009

O tempo que resta

- Seu João - disse o médico, receoso – lamento informar que o senhor tem apenas três meses de vida. E para João até aquela pausa entre o seu nome e o “lamento” parecia uma grande perda de tempo para quem tinha apenas mais três meses para viver.
Não deu tempo ao desespero, não havia muito o que fazer. Visitou a mãe, as tias, a irmã e as primas. Achou-as envelhecidas. Perguntou-se se o tempo teria sido tão cruel com ele também. Mas isso não tinha mais importância. Passou a andar a pé ao invés de carro, percebeu que mal conhecia sua própria cidade. Comprou um avião de controle remoto e uma revista Super Interessante. Pediu uma pizza no jantar. Um dia, se acordou e se olhou no espelho e, vendo o fantasma da morte refletido junto a sua sombra, tomou a grande decisão. Colocou a sua melhor roupa, aquela que ainda estava intocada no armário. Bateu na porta da casa de Joana e a própria abriu. Sem que ela abrisse a boca, ele disse que a amava, que sempre a tinha amado e que a esperaria até a morte. E foi embora.
Encontrou velhos amigos e eles estavam velhos. Percebeu que não os conhecia mais. Conversaram até tarde da madrugada e, no outro dia, ele dormiu até às três da tarde. Fez uma viagem a um lugar com neve, a um lugar deserto e a um lugar com mar. Comeu doce de leite direto do pote e saiu de casa sem pentear o cabelo. Tomou um banho de uma hora na banheira. João fez o que antes abominava: implante de cabelo. E não foi só isso. Tingiu o cabelo da cor mais parecida com a sua cor natural. Leu as revistas de fofocas e assistiu à novela, sem culpa. Seguiu tomando café da manhã com o Seu Constâncio, dono da padaria, mas, pela primeira vez, prestou atenção no que ele tinha a dizer. Que homem interessante ele! Nunca tinha se dado conta.
O fim dos três meses estava próximo e ele foi no médico fazer exames. O médico disse:
- Seu João, fico feliz dizer que o senhor está bem melhor. Tem agora mais uns 6 meses de vida.
João ouviu a notícia com alegria e foi para casa. Ligou para a mãe, as tias, a irmã e as primas. Achou que por telefone elas pareciam melhor que pessoalmente. Saiu para jantar sozinho em seu restaurante preferido e depois foi ao cinema. Pela primeira vez, aceitou o convite do vizinho e foi ao um churrasco na casa dele. Tinha passado a maior parte de sua vida morando ali e se esquivando dos convites do vizinho. O churrasco estava muito bom e ele capotou na cama, pesado. Tempos que ele não comia tanto – coisa boa, ele pensou. Penteou os cabelos antes de sair de casa e pôs os chinelos apropriados, aquela história de sair de pantufas e de cabelos desgrenhados era ridícula, o que os outros iriam pensar? Olhou-se no espelho e sentiu vergonha quando se lembrou da declaração de amor, fez papel de besta. Foi numa locadora e pegou todos os filmes que sempre teve vontade de assistir. Ouviu as mensagens dos amigos na secretária eletrônica e não retornou, afinal, eles não tinham mais nada em comum. Devolveu metade dos filmes sem assistir e, durante café da manhã com Seu Constâncio, sentiu necessidade de ler o jornal.
Passados seis meses, ele retornou ao médico. Fez um série de exames e o médico lhe deu as boas novas:
- Seu João, o senhor não precisa mais se preocupar. A doença regrediu, o senhor tem mais uns bons anos, isso eu posso garantir.
João foi embora do consultório um pouco confuso. Chegou em casa e não ligou pra ninguém. Ligou a televisão e passou pelos canais sem prestar atenção em nada. Requentou a comida do almoço e foi dormir. Tomou café da manhã sozinho. Fez as compras no supermercado e fugiu dos cumprimentos do vizinho. Quando os amigos ligaram, tratou de combinar saídas que nunca se realizariam. Retomou a sua rotina parada de aposentado. Comia vegetais e frutas e nunca mais pediu pizza. Voltou a não ter mais paciência com o Seu Constâncio. Traçou novos trajetos para não ter que passar pelo constrangimento de encontrar Joana. Dormiu às 22h e acordou às 8h. Resolveu que tinha que dar um jeito naquele cabelo implantado, antes ainda ser careca. A mãe, as tias, a irmã e as primas acharam que agora ele tinha voltado ao normal. E o doce de leite, agora, só com pão.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Príncipe-Sapo

Mariana não aguentava mais, na busca pelo Príncipe Encantado já tinha beijado muitos sapos:
- Sabe, Lê, não dá mais! Cansei. Os homens são todos iguais, uns idiotas, isso é o que eles são. Quando tu encontra um que te abre a porta do carro e te leva pra jantar num restaurante legal, tu pega ele olhando pra tua amiga. Quando ele tem um papo legal e tem um emprego decente, tu descobre que ele precisa da mãe até para lavar as cuecas. Eu desisto, assim não dá – dizia ela enquanto levava uma colher de negrinho, o qual era saboreado diretamente da panela, até a boca.
A amiga ficou pensativa e, depois de lamber com cuidado a sua colher com o doce, disse para a outra:
- Ai, guria, não é bem assim. Eu ainda acredito que a gente vai achar os nossos Príncipes Encantados, acho que vale a pena sonhar. Imagina a gente casando de branco na Igreja? Que lindo! Para com isso, tem alguém perfeito pra ti em algum lugar, tu vai ver - e, pensando nisso, Letícia se deu conta de que, comendo negrinho, não teria a silhueta apropriada para o seu sonhado vestido de noiva.
As duas se calaram,talvez até duvidando um pouco de si mesmas, pegaram mais um colherada de negrinho e, com uma caixa de lenços de papel ao alcance das mãos, continuaram assistindo a Notebook pela terceira vez.
Mal sabiam elas, entretanto, que a busca pelo Príncipe Encantado era inútil. A dura – e talvez feliz – realidade é que até o melhor dos príncipes tem um pouco de sapo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sonhando acordada

Se eu sonho contigo
Amor de cinema
Me agarras a cintura, um beijo na chuva
Eu tiro os saltos, me pegas no colo
Te digo aos suspiros: isso é tudo que sempre sonhei.

Se sonhas comigo
Malabarismos de circo
Em nosso picadeiro, acrobacias de amor
E em um passe de mágica, viramos um só
Diante da plateia, me dizes, sorrindo: isso é tudo que sempre sonhei.

Se estamos acordados
Me beijas o pescoço, eu abro um sorriso
No aconchego do sofá, um vinho e um filme
Te pego a mão, tu puxas o cobertor
Com brilho nos olhos, eu vejo que é essa
A melhor versão do que sempre sonhei.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Who's gonna save me from myself?

Acordei pingando suor e em um sobressalto. Droga! A janela tinha aberto sozinha mais uma vez. Procurei os chinelos ao lado da cama, mas não apenas não os encontrei, como também não consegui alcançar o chão. Puxei rapidamente as pernas para debaixo das cobertas e percebi que a janela não estava aberta, mas por alguma parte do quarto entrava um vento muito frio.
Resolvi procurar a garrafa de água que sempre mantenho no criado-mudo porque apesar do vento eu sentia um calor estranho, o qual me fazia suar incessantemente, mas que deixava os meus pés e mãos gelados e um tanto endurecidos. Não pude encontrar nem a mesinha nem a água e então me dei conta que estava ilhada em cima da cama. Só podia ser um sonho. Engraçado era que eu nunca lembrava dos meus sonhos e agora eu estava como que acordada no próprio sonho. Resolvi colocar a cabeça de volta no travesseiro e tentar dormir novamente. Mas como se eu já estava adormecida? Arrisquei então procurar o chão, ele tinha que estar lá em algum lugar.
Não estava, mas de alguma forma eu cheguei até uma cômoda e peguei um cigarro. Fumando encostada na parede, passei a ouvir passos no corredor de casa. Passos estranhos, como se uma multidão estivesse andando dentro da minha casa. Seria o som dos passos na rua? Mas naquela hora o movimento não podia ser tão grande. Afinal, que horas seriam? Busquei na escuridão do quarto o relógio e iluminando-o com o isqueiro vi que ele tinha parado às 2h da manhã. Sei lá que horas eram, perco a noção do tempo durante a madrugada. Segui ouvindo os passos e eles se aproximavam e se afastavam, se aproximavam e se afastavam.
Tentei voltar pra cama, mas não pude caminhar. Meus pés estavam presos no chão. Não, não era isso. Eu nem podia sentir os meus pés. Se aquilo era um pesadelo, eu queria acordar. Ou estava ficando maluca? O Antônio sempre dizia que eu era maluca, que mexia nas coisas dele procurando indícios de traições imaginárias. Imaginárias. Que nada! Ele sempre me enganou. Aliás, todo mundo sempre me enganou, minha mãe, meu pai, todo mundo. Eles têm é inveja de mim, isso sim. Ri alto. Mas não ouvi a minha voz. Acho que o barulho dos passos era tão alto que não consegui me ouvir. Eles vão entrar no meu quarto. Pensei que alguém poderia então me ajudar. Que ridículo! Quem ia me salvar do meu próprio sonho? Minhas pernas não estão aqui, não posso senti-las. Meus braços, também não posso senti-los. Onde está meu corpo? Como foi que eu fumei aquele cigarro? Droga, aquela gente não para de andar, não consigo ouvir meus pensamentos.
Lembrei de quando era criança e queria ser dançarina. Me disseram que eu não ganharia muito dinheiro e então tive que abandonar a ideia. Tive que. Ri alto mais uma vez, só que dessa vez senti medo da minha risada. Não era a minha risada. As pessoas tinham parado de andar do lado de fora, agora eu podia sair e buscar um copo de água. Ai, mas eu não podia andar. Pensei em gritar, mas a voz não saía. Fechei os olhos e resolvi esperar. Ou eu ia acordar ou eu ia dormir. Os passos voltaram e telefones tocavam. Eu gritei o máximo que pude, eu corri, eu chorei e nada. Acho que ninguém ouviu. Eu moro sozinha! Quem são aquelas pessoas? A realidade é que eu estava completamente sozinha e na escuridão do meu quarto acordei pingando suor.

A noite está quieta demais

Caso estivesses agora aqui comigo,
estarias dormindo em minha cama
eu ficaria a te olhar por longo tempo
teu dorso nu...

Enfim, bateria com um dos pés no chão
despertarias em sobressalto, perguntarias:
que ocorreu?
Nada diria eu,
foi apenas um livro que caiu.


© Maria Cristina Schleder de Borba

terça-feira, 21 de julho de 2009

Instabilidade.

Para não ter de manter os pés no árduo chão da rotina, ela se afastou de tudo. Por ter medo do estável, ela afastou todos. Na busca da aventura e da ação, ela evitou o drama e o romance. Fez tudo o que podia para escapar da monotonia e, assim, não ter que saber o que aconteceria no outro dia. Por ela passaram as pessoas tal qual passam os dias, marcantes às vezes, finitos indiscutivelmente. E no fim da vida, quando com olhos cheios de lágrimas ela se via, não soube dizer se a dor de chorar laços rompidos poderia ser tão grande quanto aquela de chorar laços que nunca chegou a fazer.

domingo, 19 de julho de 2009

Raízes

Eu fujo de casa
Desfaço amores
Dispenso amizades
Troco o guarda-roupas

Eu troco o certo
Pelo duvidoso
Eu fujo do tédio
Mudo de ares
Forço inimizades

E por mais que eu tente
É tudo o de sempre
Porque eu sempre acabo
No mesmo lugar.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Terá o passado passado?

Impossível. Cheguei a triste conclusão de que é impossível que alguém se desvencilhe do passado. Argumentei, protestei e cheguei a infeliz conclusão de que não existe uma memória seletiva e que as partes do passado que mais se quer esquecer são as partes mais lembradas, as que mais corroem e as que mais angustiam.

Sem cabimento. É totalmente sem cabimento que o passado esteja tão presente no presente. Sim, eu sou o resultado do meu passado. O que ele me fez de bom ou ruim está em mim pra sempre, sendo que, na verdade, quem o fez fui eu. De fato, os tropeços não são apenas aprendizados e blá-blá-blá, eles são cicatrizes, são pessoas que por mim passaram e que também se foram.

Sem sentido. Não tem sentido essa convivência com o passado, mas sem sentido mesmo é conviver com o passado do outro. “Leão é carneiro assimilado”. As pessoas têm passado e eu tenho que aceitar isso. Ninguém veio do nada e o tudo vivido é que nos constrói. É o que me constrói. Mas e o passado do outro? É aquele que eu não tive a chance de mudar, é aquele que se me apresentou pronto. É aquele que me destrói

Pai, de onde vêm os bebês?

Pedrinho estava naquela idade em que as crianças perguntam o porquê de tudo. Elas passam a questionar o mundo mais do que muitos adultos e com Pedro não seria diferente. Era um dia como um outro qualquer e ele chegava da escola no final da tarde. Como de costume, entrou em casa esbaforido e atirou seu material escolar em cima do sofá da sala. Seu pai estava sentado em sua majestosa poltrona, com os pés esticados em cima da mesa de centro e com os óculos na ponta do nariz enquanto passava os olhos pelas manchetes de um jornal sem prestar muita atenção – de fato, o pai já estava mais para a idade da aceitação.
O pai levantou os olhos ao perceber que seu filho ia começar com as perguntas. Ele costumava chegar da escola cheio de questionamentos, os quais ele não tinha coragem de debater com a professora, ou por medo de ser repreendido ou porque simplesmente se dava conta de que ela não era a pessoa mais indicada para solucioná-los. O pai então se preparou para o bombardeio:
- Pai, como é que nascem os bebês?
Sim, o pai sabia que mais cedo ou mais tarde aquela pergunta seria feita. Ainda mais que era consciente de que seu filho desfrutava de uma esperteza incompatível com a idade.
- Olha, Pedro, tem uma ave chamada cegonha. Ela traz os bebês num cesto para os casais que expressam o desejo de terem um filho.
O menino não pareceu convencido. Seu pai notou e pensou que a merda da internet estava fazendo isso, desafiando a autoridade dos pais. Foi com um olhar perspicaz que Pedrinho fez então a seguinte pergunta:
- Mas pai, e se como outros animais, as cegonhas entrarem em extinção?
O pai hesitou, a verdade era que não esperava um questionamento dessa dimensão e depois de alguns segundos, respondeu:
- Bom, aí a natureza vai apelar para o recurso do repolho, guri. As crianças também podem vir dos repolhos.
Pedro parou uns instantes para pensar e não teve dúvidas, lançou para o pai mais um desafio:
- Mas e aí se os repolhos forem contaminados pelos agrotóxicos, pai? Ouvi falar que eles fazem mal pra gente, daí iam nascer crianças com problemas, pai?
Já era demais para o pai. Nunca em toda a sua vida pensaria que seria inquirido dessa maneira pelo seu filho de oito anos. Ele não sabia mais o que dizer, as explicações de antigamente não serviam mais para essas crianças de hoje em dia, ele pensou. Tudo o que ele tinha aprendido com os pais sobre como criar seus filhos ia se perder para sempre, disso ele tinha certeza. E sentindo sua autoridade desafiada e vendo que era incapaz de dar uma resposta eficaz, apelou para o de sempre:
- Olha a hora, guri. Para de me perguntar bobagens e vai pro banho. Se a tua mãe te vê desse jeito aí todo suado, ela vai te encher de palmadas.
Um pouco decepcionado, mas sabendo que a mãe poderia dar umas palmadas se o visse assim sem banho depois de um dia inteiro no colégio, ele seguiu as ordens do pai, ainda se perguntando quando é que o pai lhe diria a verdade – afinal, ele já tinha oito anos. O pai, por sua vez, pensou que talvez nem tudo estivesse perdido e enquanto os filhos obedecessem aos pais, tudo estaria sob controle.

domingo, 12 de julho de 2009

Pé na Bunda

Ela se sentia completamente sem rumo. Ele a tinha feito esquecer seu passado, ela tinha feito dele seu futuro e agora ele simplesmente a deixava na solidão do presente.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

ORKUT

Os chamados sites de relacionamento estão, atualmente, bem disseminados. Tem Orkut, preferido pelos brasileiros, Twitter, Facebook, etc. Existem, portanto, diversas maneiras de expormos a nossa intimidade e ainda por cima perdermos tempo (aí se inclui o MSN, o qual é culpado por muito livro não lido e trabalho mal feito). O mais interessante é como essas coisas se tornam fascinantes e de certa forma hipnotizantes. Quem nunca se pegou olhando que nem um abobado para a sua própria foto no perfil do Orkut? A gente fica lá, pensando em que perfil fuçar ou que besteira escrever no status.
O Twitter funciona como um diário. A pessoa vai lá e escreve “Acordei de mal-humorada, peidei, tomei café, fui pra academia,ai como tô gorda” e fica dando detalhes da sua vida, do seu cotidiano. É o máximo da exposição. O Orkut tem os depoimentos dos amigos, namorado (a), dá pra colocar milhares de fotos ( saudade do tempo que só se podia postar 12). Sendo ele o mais presente no meu dia-a-dia e que ainda seja o mais usado pelos brasileiros ( apesar da invasão verde-amarelo no Facebook, que nada mais é que uma versão sofisticada do Orkut), é sobre ele que vou me manifestar. Em minha defesa, eu resisti durante dois anos e em 2007 eu fiz o meu perfil no Orkut. Foi impossível não ceder, era mais forte que eu. De lá pra cá, perdi horas e horas atualizando, fuçando na vida alheia e me incomodando com ele, mas mesmo já tendo pensado em excluí-lo, nunca tive coragem.
No dito cujo, eu vejo coisas que me divertem e que até me fazem refletir:
Perfis de casais - acho que é para ser uma prova de confiança do tipo “não temos o que esconder um do outro”. Acho que é para ser a prova de que não existe a possibilidade de um receber depoimentos suspeitos ou é uma forma de os evitar. Entretanto, ele dificulta um pouco a vida dos amigos ou dos não tão amigos. Por exemplo, de quem é o aniversário que o Orkut avisa? Pior ainda é quando o namoro acaba e fica aquela questão “Quem tem a custódia do perfil?”, seja quem for, no dia seguinte vai aparecer uma foto digna de book no perfil e algo do tipo “ I’m stronger than yesterday” no status.
“Só add com scrap” – ou algo assim, é uma frase comum no ‘quem sou eu’ do site. A intenção é mostrar que a pessoa é seletiva ao adicionar amigos. Falando sério, o indivíduo que tem 900 amigos não pode ter sido tão criterioso assim, certo? Ninguém me convence que alguém possa realmente conhecer essa multidão.
Milhares de fotos – não posso negar: sou adepta. Tenho muitas fotos no meu Orkut e sim, acho que é o cúmulo da exposição. Quando se entra num perfil com fotos demais, nunca todasserão vistas – isso é real. Quem vai ficar vendo todas as mil fotos de alguém? E o mais engraçado é a repetição, é praticamente a mesma cena fotografada de diferente ângulos, é um mundo de fotos ditas espontâneas, é o dono do perfil se fotografando de todas as maneiras possíveis. Se as dispensáveis fossem deletadas, certamente restariam poucas.
“Minhas comunidades falam por mim” – já vi isso em alguns perfis e foi extremamente decepcionante porque a criatura estava em mil comunidades, o que a enquadraria nos mais variados tipos de pessoas, desde “eu sou pra casar” até “ fui tomar juízo, só tinha vodka”.

"what if?"

Creio que todas as pessoas já se perguntaram “E se eu tivesse feito diferente?” ou “E se isso não tivesse acontecido?”. Perguntas que não têm resposta, mas que insistimos em querer desvendar. Eu tenho recentemente me perguntado com mais freqüência o que seria diferente se meu pai estivesse por perto. Por mais que talvez seja tempo perdido ou sofrimento desnecessário, me questiono quem eu seria se ele não tivesse partido tão cedo.

Faz já quatro anos que ele se foi e as dúvidas ainda permeiam os meus pensamentos. Passado o impacto inicial, passei a pensar no andar das coisas, no fluxo da vida e que papel eu tenho nisso tudo e que influência meu pai teria nas minhas escolhas. Será que eu seria a mesma? Estaria eu menos perdida? Ou melhor, seriam as minhas decisões mais certeiras? Como eu gostaria de poder responder a isso tudo! O problema é que talvez as respostas não fossem do meu agrado. Hoje vejo que se eu tivesse tido mais tolhida a minha liberdade, talvez eu tivesse menos arrependimentos.

Outras questões mais complexas também se fazem presentes. Se nós não tivéssemos tido uma relação tão conflituosa, seria maior a minha dor? Eu nunca senti a culpa comum àqueles que perdem pessoas queridas, porque não transformei em um santo após a sua morte. Ele se foi deixando também lembranças ruins que às vezes se confundem com a saudade. Se as brigas não tivessem ocorrido eu não teria a sensação de ter esquecido seu rosto? Admito que me sinta culpada nesses momentos, quando percebo que o seu rosto se embaça nos meus sonhos e preciso no outro dia pegar uma foto para lembrar com mais exatidão.

Eu me pergunto se ele teria me dado direções. Será que a dificuldade que tenho em tomar decisões se deve ao fato de ele não ter tido tempo de me explicar como funcionam as coisas? Ou melhor, por que eu acho que ele seria capaz de me explicar o funcionamento das coisas? Acho que às vezes tento fazer da sua partida motivo para as minhas limitações quando na verdade vejo o quanto isso deveria me fazer mais forte. As dores de qualquer tipo me parecem agora tão mesquinhas. Mas, e se meu pai estivesse aqui, eu estaria com menos dúvidas?