quinta-feira, 30 de julho de 2009

Dinheiro (não) traz felicidade

Ele sempre acreditou que a felicidade estava no ser e não no ter. O importante é a essência, ele costumava dizer. Viveu sob esses princípios durante toda a sua vida: escolheu estudar o que gostava, tentava aproveitar os momentos simples da vida – aqueles que ele via que não poderiam nunca ser comprados.
Mesmo tendo frustrado as expectativas da família fazendo escolhas poucos lucrativas, acabou entrando nos eixos: casou e teve uma filha. Foi, no entanto, com essa vida tradicional de marido e pai de família que percebeu que tinha antes disso vivido uma mentira. A mulher reclamava que a geladeira estava estragada, que ela precisava arrumar as unhas e o cabelo toda a semana, porque, de acordo com ela, mulher desleixada é mulher traída. A mensalidade da escola da filha adolescente estava, mais uma vez, atrasada, e a menina queria as roupas da moda, queria sair para festas, queria tudo o que não podia ter.
Diante da centena de contas atrasadas, das noites mal dormidas, da fachada mal acabada da casa, do choro da filha e da queixas da esposa, lembrou-se da vida sem preocupações materiais: era boa, mas não podia durar. A realidade estava ali e ela queria dinheiro e consumo. Soube, então, que só teria tranqüilidade quando tivesse meios financeiros para a comprar. O dinheiro não traria felicidade, ele sabia, mas a traria para mais perto de suas mãos.

Beleza (não) põe mesa

- Beleza não põe mesa – disse a sua mãe no dia em que ela achou que tinha levado um fora por estar um pouco gordinha.
Ela acreditou, afinal tinha apenas quinze anos, a vida ainda não tinha mostrado a ela a sua verdadeira face. Passou-se o tempo, ela levou outros foras, foi nas lojas e não encontrou as roupas da moda no seu tamanho, fez a dieta do abacaxi e a da sopa pronta e nada. Estudou muito, trabalhou mais ainda porque achava que o intelecto poderia compensar os óculos de lentes grossas e o cabelo ruim.
Certo dia, entre um diploma e outro, entre uma visita sites de namoro e outra, chorou. Viu aquelas mulheres na televisão e chorou. Aquelas mulheres kit completo a irritavam, a faziam perceber a injustiça do mundo. Apresentadora-atriz-cantora-dançarina numa só pessoa. Mulheres que trabalham mais o corpo que a mente, que ganham dinheiro se fazendo de burras. Silicones gigantes, câmeras dando closes em bundas, sorrisos artificialmente brancos. E tudo isso aplaudido e elas ficando ricas e ricas cumprindo o seu papel de mulher-objeto.
- Minha mãe estava errada – ela pensou, depois dessa reflexão, a qual não mudaria nada, apenas reforçaria a sua inconformidade com a distorção de valores.

Vingança

Eu perdoo o teu erro, sigo a minha vida e quero que sigas a tua. O meu perdão, entretanto, não acarreta esquecimento: a ferida já não sangra, mas mantém-se em carne viva. Mas eu te olho nos olhos, eu não perco o sono, porque sei bem que no teu peito carregas um corte ainda mais profundo chamado arrependimento.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Sobre ser medíocre

Nunca soube como é chegar ao topo. A mediocridade faz parte do meu ser como se fosse uma parte do meu corpo. Sabe aquela pessoa que até levanta a bunda da cadeira, mas que não vai para muito longe dela? Sou eu. Eu fujo do fracasso como diabo foge da cruz, isso é verdade. Mas o sucesso sempre me pareceu algo distante, algo reservado para um grupo seleto de pessoas, aquelas que já nasceram com algum dom. Quem não é brilhante tem que ser esforçado e quem não é esforçado é mediano em tudo o que faz. Assim o sou. Poucos grandes feitos, pouca ambição. O pouco alcançado é o suficiente para me completar. Não tento mudar, é verdade. Enquanto os outros suam, eu assisto à televisão. Seria comodismo achar que mediocridade não tem solução? Pode ser. Vou tentar descobrir? Não. A atitude do medíocre é sempre, me parece óbvio, baseada na postergação. Fazer amanhã o que se pode fazer hoje até chegar ao ponto em que nada é feito. Não ser o pior, não ser o melhor – o que está no meio pode passar despercebido.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Humanos de Estimação.

O gato tinha um pelo longo impecavelmente branco e sedoso e era um tanto gordinho, o que, para ele, era uma importante vantagem em relação aos outros felinos. Naquele momento, ele lambia cuidadosamente uma pata e a esfregava na cabeça. Foi com grande desgosto que ele viu o cão da família se aproximar para interromper seu ritual de limpeza. O gato então levantou um olhar de desprezo e se deu o trabalho de dirigir a palavra ao cão:
- Cachorro, por que estás tão alegre? Os humanos não estão em volta, podes parar de fingir constante simpatia. Chega uma hora que cansa essa tua atitude de bobo feliz, abomino essa “babação” de ovo. Sempre abanando o rabo, pulando nos joelhos das pessoas, não tens um jeito menos irritante de conseguir o que queres?
O cachorro era grande e atrapalhado e tentava pegar uma bolinha que estava de baixo do sofá. Ele era jovem e vivia derrubando vasos de flores, porta-retratos e tudo mais que estivesse ou não ao seu alcance. Recém havia chegado do jardim da casa e estava – para maior desagrado do gato – com as patas sujas de terra. Ouvindo com atenção às palavras do gato, replicou, esbaforido:
- Gato, eu nem finjo nada, tá? Pior é tu que acha que é melhor que eles, que quer que eles te façam as vontades quando tu quer. Esse sim é um jeito irritante de conseguir o que se quer.
O cão se distraía com facilidade e parou de falar quando viu que conseguiu trazer a bolinha para junto de si com uma pata. O gato apenas tentou fingir que ele não estava lá para que continuasse em paz o seu tão prezado banho. Eles viviam em harmonia, por mais que tivessem seus atritos e tinham, inclusive, uma maneira de comunicar a chegada dos humanos e aquele era o momento. O gato miou baixinho e o cão rapidamente se deitou ao seu lado com a bolinha na boca. Os seus donos – os animais deixavam eles pensarem que eram seus donos – chegaram e os chamaram:
- Cadê o gatinho fofo da mamãe?? Cadê?? – disse a mulher, com uma fatia de peito de peru na mão.
- Onde é que tá o meu cachorro preferido?? – disse o homem, com um osso na mão.
O cachorro e o gato se olharam e prontamente se levantaram. Eles não entendiam porque os humanos afinavam a voz daquela maneira, mas já estavam acostumados. O gato passou pelas pernas da mulher, ronronando e se esfregando em suas canelas, enquanto ela repetia que aquele era o gato mais querido do mundo. O cachorro pulou nas pernas do homem, abanando a cauda, e esperou que ele se abaixasse para que pudesse lamber o seu rosto. Receberam, então, as suas respectivas delícias.
Quando as pessoas saíram , o cachorro roía o osso com vontade e o gato saboreava delicadamente a fatia de peito de peru. Ambos estavam satisfeitos e devidamente recompensados, tal qual os humanos que deixavam a sala.

sábado, 25 de julho de 2009

O tempo que resta

- Seu João - disse o médico, receoso – lamento informar que o senhor tem apenas três meses de vida. E para João até aquela pausa entre o seu nome e o “lamento” parecia uma grande perda de tempo para quem tinha apenas mais três meses para viver.
Não deu tempo ao desespero, não havia muito o que fazer. Visitou a mãe, as tias, a irmã e as primas. Achou-as envelhecidas. Perguntou-se se o tempo teria sido tão cruel com ele também. Mas isso não tinha mais importância. Passou a andar a pé ao invés de carro, percebeu que mal conhecia sua própria cidade. Comprou um avião de controle remoto e uma revista Super Interessante. Pediu uma pizza no jantar. Um dia, se acordou e se olhou no espelho e, vendo o fantasma da morte refletido junto a sua sombra, tomou a grande decisão. Colocou a sua melhor roupa, aquela que ainda estava intocada no armário. Bateu na porta da casa de Joana e a própria abriu. Sem que ela abrisse a boca, ele disse que a amava, que sempre a tinha amado e que a esperaria até a morte. E foi embora.
Encontrou velhos amigos e eles estavam velhos. Percebeu que não os conhecia mais. Conversaram até tarde da madrugada e, no outro dia, ele dormiu até às três da tarde. Fez uma viagem a um lugar com neve, a um lugar deserto e a um lugar com mar. Comeu doce de leite direto do pote e saiu de casa sem pentear o cabelo. Tomou um banho de uma hora na banheira. João fez o que antes abominava: implante de cabelo. E não foi só isso. Tingiu o cabelo da cor mais parecida com a sua cor natural. Leu as revistas de fofocas e assistiu à novela, sem culpa. Seguiu tomando café da manhã com o Seu Constâncio, dono da padaria, mas, pela primeira vez, prestou atenção no que ele tinha a dizer. Que homem interessante ele! Nunca tinha se dado conta.
O fim dos três meses estava próximo e ele foi no médico fazer exames. O médico disse:
- Seu João, fico feliz dizer que o senhor está bem melhor. Tem agora mais uns 6 meses de vida.
João ouviu a notícia com alegria e foi para casa. Ligou para a mãe, as tias, a irmã e as primas. Achou que por telefone elas pareciam melhor que pessoalmente. Saiu para jantar sozinho em seu restaurante preferido e depois foi ao cinema. Pela primeira vez, aceitou o convite do vizinho e foi ao um churrasco na casa dele. Tinha passado a maior parte de sua vida morando ali e se esquivando dos convites do vizinho. O churrasco estava muito bom e ele capotou na cama, pesado. Tempos que ele não comia tanto – coisa boa, ele pensou. Penteou os cabelos antes de sair de casa e pôs os chinelos apropriados, aquela história de sair de pantufas e de cabelos desgrenhados era ridícula, o que os outros iriam pensar? Olhou-se no espelho e sentiu vergonha quando se lembrou da declaração de amor, fez papel de besta. Foi numa locadora e pegou todos os filmes que sempre teve vontade de assistir. Ouviu as mensagens dos amigos na secretária eletrônica e não retornou, afinal, eles não tinham mais nada em comum. Devolveu metade dos filmes sem assistir e, durante café da manhã com Seu Constâncio, sentiu necessidade de ler o jornal.
Passados seis meses, ele retornou ao médico. Fez um série de exames e o médico lhe deu as boas novas:
- Seu João, o senhor não precisa mais se preocupar. A doença regrediu, o senhor tem mais uns bons anos, isso eu posso garantir.
João foi embora do consultório um pouco confuso. Chegou em casa e não ligou pra ninguém. Ligou a televisão e passou pelos canais sem prestar atenção em nada. Requentou a comida do almoço e foi dormir. Tomou café da manhã sozinho. Fez as compras no supermercado e fugiu dos cumprimentos do vizinho. Quando os amigos ligaram, tratou de combinar saídas que nunca se realizariam. Retomou a sua rotina parada de aposentado. Comia vegetais e frutas e nunca mais pediu pizza. Voltou a não ter mais paciência com o Seu Constâncio. Traçou novos trajetos para não ter que passar pelo constrangimento de encontrar Joana. Dormiu às 22h e acordou às 8h. Resolveu que tinha que dar um jeito naquele cabelo implantado, antes ainda ser careca. A mãe, as tias, a irmã e as primas acharam que agora ele tinha voltado ao normal. E o doce de leite, agora, só com pão.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Príncipe-Sapo

Mariana não aguentava mais, na busca pelo Príncipe Encantado já tinha beijado muitos sapos:
- Sabe, Lê, não dá mais! Cansei. Os homens são todos iguais, uns idiotas, isso é o que eles são. Quando tu encontra um que te abre a porta do carro e te leva pra jantar num restaurante legal, tu pega ele olhando pra tua amiga. Quando ele tem um papo legal e tem um emprego decente, tu descobre que ele precisa da mãe até para lavar as cuecas. Eu desisto, assim não dá – dizia ela enquanto levava uma colher de negrinho, o qual era saboreado diretamente da panela, até a boca.
A amiga ficou pensativa e, depois de lamber com cuidado a sua colher com o doce, disse para a outra:
- Ai, guria, não é bem assim. Eu ainda acredito que a gente vai achar os nossos Príncipes Encantados, acho que vale a pena sonhar. Imagina a gente casando de branco na Igreja? Que lindo! Para com isso, tem alguém perfeito pra ti em algum lugar, tu vai ver - e, pensando nisso, Letícia se deu conta de que, comendo negrinho, não teria a silhueta apropriada para o seu sonhado vestido de noiva.
As duas se calaram,talvez até duvidando um pouco de si mesmas, pegaram mais um colherada de negrinho e, com uma caixa de lenços de papel ao alcance das mãos, continuaram assistindo a Notebook pela terceira vez.
Mal sabiam elas, entretanto, que a busca pelo Príncipe Encantado era inútil. A dura – e talvez feliz – realidade é que até o melhor dos príncipes tem um pouco de sapo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sonhando acordada

Se eu sonho contigo
Amor de cinema
Me agarras a cintura, um beijo na chuva
Eu tiro os saltos, me pegas no colo
Te digo aos suspiros: isso é tudo que sempre sonhei.

Se sonhas comigo
Malabarismos de circo
Em nosso picadeiro, acrobacias de amor
E em um passe de mágica, viramos um só
Diante da plateia, me dizes, sorrindo: isso é tudo que sempre sonhei.

Se estamos acordados
Me beijas o pescoço, eu abro um sorriso
No aconchego do sofá, um vinho e um filme
Te pego a mão, tu puxas o cobertor
Com brilho nos olhos, eu vejo que é essa
A melhor versão do que sempre sonhei.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Who's gonna save me from myself?

Acordei pingando suor e em um sobressalto. Droga! A janela tinha aberto sozinha mais uma vez. Procurei os chinelos ao lado da cama, mas não apenas não os encontrei, como também não consegui alcançar o chão. Puxei rapidamente as pernas para debaixo das cobertas e percebi que a janela não estava aberta, mas por alguma parte do quarto entrava um vento muito frio.
Resolvi procurar a garrafa de água que sempre mantenho no criado-mudo porque apesar do vento eu sentia um calor estranho, o qual me fazia suar incessantemente, mas que deixava os meus pés e mãos gelados e um tanto endurecidos. Não pude encontrar nem a mesinha nem a água e então me dei conta que estava ilhada em cima da cama. Só podia ser um sonho. Engraçado era que eu nunca lembrava dos meus sonhos e agora eu estava como que acordada no próprio sonho. Resolvi colocar a cabeça de volta no travesseiro e tentar dormir novamente. Mas como se eu já estava adormecida? Arrisquei então procurar o chão, ele tinha que estar lá em algum lugar.
Não estava, mas de alguma forma eu cheguei até uma cômoda e peguei um cigarro. Fumando encostada na parede, passei a ouvir passos no corredor de casa. Passos estranhos, como se uma multidão estivesse andando dentro da minha casa. Seria o som dos passos na rua? Mas naquela hora o movimento não podia ser tão grande. Afinal, que horas seriam? Busquei na escuridão do quarto o relógio e iluminando-o com o isqueiro vi que ele tinha parado às 2h da manhã. Sei lá que horas eram, perco a noção do tempo durante a madrugada. Segui ouvindo os passos e eles se aproximavam e se afastavam, se aproximavam e se afastavam.
Tentei voltar pra cama, mas não pude caminhar. Meus pés estavam presos no chão. Não, não era isso. Eu nem podia sentir os meus pés. Se aquilo era um pesadelo, eu queria acordar. Ou estava ficando maluca? O Antônio sempre dizia que eu era maluca, que mexia nas coisas dele procurando indícios de traições imaginárias. Imaginárias. Que nada! Ele sempre me enganou. Aliás, todo mundo sempre me enganou, minha mãe, meu pai, todo mundo. Eles têm é inveja de mim, isso sim. Ri alto. Mas não ouvi a minha voz. Acho que o barulho dos passos era tão alto que não consegui me ouvir. Eles vão entrar no meu quarto. Pensei que alguém poderia então me ajudar. Que ridículo! Quem ia me salvar do meu próprio sonho? Minhas pernas não estão aqui, não posso senti-las. Meus braços, também não posso senti-los. Onde está meu corpo? Como foi que eu fumei aquele cigarro? Droga, aquela gente não para de andar, não consigo ouvir meus pensamentos.
Lembrei de quando era criança e queria ser dançarina. Me disseram que eu não ganharia muito dinheiro e então tive que abandonar a ideia. Tive que. Ri alto mais uma vez, só que dessa vez senti medo da minha risada. Não era a minha risada. As pessoas tinham parado de andar do lado de fora, agora eu podia sair e buscar um copo de água. Ai, mas eu não podia andar. Pensei em gritar, mas a voz não saía. Fechei os olhos e resolvi esperar. Ou eu ia acordar ou eu ia dormir. Os passos voltaram e telefones tocavam. Eu gritei o máximo que pude, eu corri, eu chorei e nada. Acho que ninguém ouviu. Eu moro sozinha! Quem são aquelas pessoas? A realidade é que eu estava completamente sozinha e na escuridão do meu quarto acordei pingando suor.

A noite está quieta demais

Caso estivesses agora aqui comigo,
estarias dormindo em minha cama
eu ficaria a te olhar por longo tempo
teu dorso nu...

Enfim, bateria com um dos pés no chão
despertarias em sobressalto, perguntarias:
que ocorreu?
Nada diria eu,
foi apenas um livro que caiu.


© Maria Cristina Schleder de Borba

terça-feira, 21 de julho de 2009

Instabilidade.

Para não ter de manter os pés no árduo chão da rotina, ela se afastou de tudo. Por ter medo do estável, ela afastou todos. Na busca da aventura e da ação, ela evitou o drama e o romance. Fez tudo o que podia para escapar da monotonia e, assim, não ter que saber o que aconteceria no outro dia. Por ela passaram as pessoas tal qual passam os dias, marcantes às vezes, finitos indiscutivelmente. E no fim da vida, quando com olhos cheios de lágrimas ela se via, não soube dizer se a dor de chorar laços rompidos poderia ser tão grande quanto aquela de chorar laços que nunca chegou a fazer.

domingo, 19 de julho de 2009

Raízes

Eu fujo de casa
Desfaço amores
Dispenso amizades
Troco o guarda-roupas

Eu troco o certo
Pelo duvidoso
Eu fujo do tédio
Mudo de ares
Forço inimizades

E por mais que eu tente
É tudo o de sempre
Porque eu sempre acabo
No mesmo lugar.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Terá o passado passado?

Impossível. Cheguei a triste conclusão de que é impossível que alguém se desvencilhe do passado. Argumentei, protestei e cheguei a infeliz conclusão de que não existe uma memória seletiva e que as partes do passado que mais se quer esquecer são as partes mais lembradas, as que mais corroem e as que mais angustiam.

Sem cabimento. É totalmente sem cabimento que o passado esteja tão presente no presente. Sim, eu sou o resultado do meu passado. O que ele me fez de bom ou ruim está em mim pra sempre, sendo que, na verdade, quem o fez fui eu. De fato, os tropeços não são apenas aprendizados e blá-blá-blá, eles são cicatrizes, são pessoas que por mim passaram e que também se foram.

Sem sentido. Não tem sentido essa convivência com o passado, mas sem sentido mesmo é conviver com o passado do outro. “Leão é carneiro assimilado”. As pessoas têm passado e eu tenho que aceitar isso. Ninguém veio do nada e o tudo vivido é que nos constrói. É o que me constrói. Mas e o passado do outro? É aquele que eu não tive a chance de mudar, é aquele que se me apresentou pronto. É aquele que me destrói

Pai, de onde vêm os bebês?

Pedrinho estava naquela idade em que as crianças perguntam o porquê de tudo. Elas passam a questionar o mundo mais do que muitos adultos e com Pedro não seria diferente. Era um dia como um outro qualquer e ele chegava da escola no final da tarde. Como de costume, entrou em casa esbaforido e atirou seu material escolar em cima do sofá da sala. Seu pai estava sentado em sua majestosa poltrona, com os pés esticados em cima da mesa de centro e com os óculos na ponta do nariz enquanto passava os olhos pelas manchetes de um jornal sem prestar muita atenção – de fato, o pai já estava mais para a idade da aceitação.
O pai levantou os olhos ao perceber que seu filho ia começar com as perguntas. Ele costumava chegar da escola cheio de questionamentos, os quais ele não tinha coragem de debater com a professora, ou por medo de ser repreendido ou porque simplesmente se dava conta de que ela não era a pessoa mais indicada para solucioná-los. O pai então se preparou para o bombardeio:
- Pai, como é que nascem os bebês?
Sim, o pai sabia que mais cedo ou mais tarde aquela pergunta seria feita. Ainda mais que era consciente de que seu filho desfrutava de uma esperteza incompatível com a idade.
- Olha, Pedro, tem uma ave chamada cegonha. Ela traz os bebês num cesto para os casais que expressam o desejo de terem um filho.
O menino não pareceu convencido. Seu pai notou e pensou que a merda da internet estava fazendo isso, desafiando a autoridade dos pais. Foi com um olhar perspicaz que Pedrinho fez então a seguinte pergunta:
- Mas pai, e se como outros animais, as cegonhas entrarem em extinção?
O pai hesitou, a verdade era que não esperava um questionamento dessa dimensão e depois de alguns segundos, respondeu:
- Bom, aí a natureza vai apelar para o recurso do repolho, guri. As crianças também podem vir dos repolhos.
Pedro parou uns instantes para pensar e não teve dúvidas, lançou para o pai mais um desafio:
- Mas e aí se os repolhos forem contaminados pelos agrotóxicos, pai? Ouvi falar que eles fazem mal pra gente, daí iam nascer crianças com problemas, pai?
Já era demais para o pai. Nunca em toda a sua vida pensaria que seria inquirido dessa maneira pelo seu filho de oito anos. Ele não sabia mais o que dizer, as explicações de antigamente não serviam mais para essas crianças de hoje em dia, ele pensou. Tudo o que ele tinha aprendido com os pais sobre como criar seus filhos ia se perder para sempre, disso ele tinha certeza. E sentindo sua autoridade desafiada e vendo que era incapaz de dar uma resposta eficaz, apelou para o de sempre:
- Olha a hora, guri. Para de me perguntar bobagens e vai pro banho. Se a tua mãe te vê desse jeito aí todo suado, ela vai te encher de palmadas.
Um pouco decepcionado, mas sabendo que a mãe poderia dar umas palmadas se o visse assim sem banho depois de um dia inteiro no colégio, ele seguiu as ordens do pai, ainda se perguntando quando é que o pai lhe diria a verdade – afinal, ele já tinha oito anos. O pai, por sua vez, pensou que talvez nem tudo estivesse perdido e enquanto os filhos obedecessem aos pais, tudo estaria sob controle.

domingo, 12 de julho de 2009

Pé na Bunda

Ela se sentia completamente sem rumo. Ele a tinha feito esquecer seu passado, ela tinha feito dele seu futuro e agora ele simplesmente a deixava na solidão do presente.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

ORKUT

Os chamados sites de relacionamento estão, atualmente, bem disseminados. Tem Orkut, preferido pelos brasileiros, Twitter, Facebook, etc. Existem, portanto, diversas maneiras de expormos a nossa intimidade e ainda por cima perdermos tempo (aí se inclui o MSN, o qual é culpado por muito livro não lido e trabalho mal feito). O mais interessante é como essas coisas se tornam fascinantes e de certa forma hipnotizantes. Quem nunca se pegou olhando que nem um abobado para a sua própria foto no perfil do Orkut? A gente fica lá, pensando em que perfil fuçar ou que besteira escrever no status.
O Twitter funciona como um diário. A pessoa vai lá e escreve “Acordei de mal-humorada, peidei, tomei café, fui pra academia,ai como tô gorda” e fica dando detalhes da sua vida, do seu cotidiano. É o máximo da exposição. O Orkut tem os depoimentos dos amigos, namorado (a), dá pra colocar milhares de fotos ( saudade do tempo que só se podia postar 12). Sendo ele o mais presente no meu dia-a-dia e que ainda seja o mais usado pelos brasileiros ( apesar da invasão verde-amarelo no Facebook, que nada mais é que uma versão sofisticada do Orkut), é sobre ele que vou me manifestar. Em minha defesa, eu resisti durante dois anos e em 2007 eu fiz o meu perfil no Orkut. Foi impossível não ceder, era mais forte que eu. De lá pra cá, perdi horas e horas atualizando, fuçando na vida alheia e me incomodando com ele, mas mesmo já tendo pensado em excluí-lo, nunca tive coragem.
No dito cujo, eu vejo coisas que me divertem e que até me fazem refletir:
Perfis de casais - acho que é para ser uma prova de confiança do tipo “não temos o que esconder um do outro”. Acho que é para ser a prova de que não existe a possibilidade de um receber depoimentos suspeitos ou é uma forma de os evitar. Entretanto, ele dificulta um pouco a vida dos amigos ou dos não tão amigos. Por exemplo, de quem é o aniversário que o Orkut avisa? Pior ainda é quando o namoro acaba e fica aquela questão “Quem tem a custódia do perfil?”, seja quem for, no dia seguinte vai aparecer uma foto digna de book no perfil e algo do tipo “ I’m stronger than yesterday” no status.
“Só add com scrap” – ou algo assim, é uma frase comum no ‘quem sou eu’ do site. A intenção é mostrar que a pessoa é seletiva ao adicionar amigos. Falando sério, o indivíduo que tem 900 amigos não pode ter sido tão criterioso assim, certo? Ninguém me convence que alguém possa realmente conhecer essa multidão.
Milhares de fotos – não posso negar: sou adepta. Tenho muitas fotos no meu Orkut e sim, acho que é o cúmulo da exposição. Quando se entra num perfil com fotos demais, nunca todasserão vistas – isso é real. Quem vai ficar vendo todas as mil fotos de alguém? E o mais engraçado é a repetição, é praticamente a mesma cena fotografada de diferente ângulos, é um mundo de fotos ditas espontâneas, é o dono do perfil se fotografando de todas as maneiras possíveis. Se as dispensáveis fossem deletadas, certamente restariam poucas.
“Minhas comunidades falam por mim” – já vi isso em alguns perfis e foi extremamente decepcionante porque a criatura estava em mil comunidades, o que a enquadraria nos mais variados tipos de pessoas, desde “eu sou pra casar” até “ fui tomar juízo, só tinha vodka”.

"what if?"

Creio que todas as pessoas já se perguntaram “E se eu tivesse feito diferente?” ou “E se isso não tivesse acontecido?”. Perguntas que não têm resposta, mas que insistimos em querer desvendar. Eu tenho recentemente me perguntado com mais freqüência o que seria diferente se meu pai estivesse por perto. Por mais que talvez seja tempo perdido ou sofrimento desnecessário, me questiono quem eu seria se ele não tivesse partido tão cedo.

Faz já quatro anos que ele se foi e as dúvidas ainda permeiam os meus pensamentos. Passado o impacto inicial, passei a pensar no andar das coisas, no fluxo da vida e que papel eu tenho nisso tudo e que influência meu pai teria nas minhas escolhas. Será que eu seria a mesma? Estaria eu menos perdida? Ou melhor, seriam as minhas decisões mais certeiras? Como eu gostaria de poder responder a isso tudo! O problema é que talvez as respostas não fossem do meu agrado. Hoje vejo que se eu tivesse tido mais tolhida a minha liberdade, talvez eu tivesse menos arrependimentos.

Outras questões mais complexas também se fazem presentes. Se nós não tivéssemos tido uma relação tão conflituosa, seria maior a minha dor? Eu nunca senti a culpa comum àqueles que perdem pessoas queridas, porque não transformei em um santo após a sua morte. Ele se foi deixando também lembranças ruins que às vezes se confundem com a saudade. Se as brigas não tivessem ocorrido eu não teria a sensação de ter esquecido seu rosto? Admito que me sinta culpada nesses momentos, quando percebo que o seu rosto se embaça nos meus sonhos e preciso no outro dia pegar uma foto para lembrar com mais exatidão.

Eu me pergunto se ele teria me dado direções. Será que a dificuldade que tenho em tomar decisões se deve ao fato de ele não ter tido tempo de me explicar como funcionam as coisas? Ou melhor, por que eu acho que ele seria capaz de me explicar o funcionamento das coisas? Acho que às vezes tento fazer da sua partida motivo para as minhas limitações quando na verdade vejo o quanto isso deveria me fazer mais forte. As dores de qualquer tipo me parecem agora tão mesquinhas. Mas, e se meu pai estivesse aqui, eu estaria com menos dúvidas?