sábado, 7 de novembro de 2009

A Aliança

Acordou naturalmente e feliz por não ter sido despertado pelo celular e, ainda se espreguiçando, tateou a mesa de cabeceira. Tateou, tateou e nada. Esfregou os olhos, resmungou alguma coisa e se levantou para abrir janela. Com a luz do sol invadindo o quarto e iluminando o corpo de Fernanda, ele se dirigiu à mesinha onde deveria estar a aliança. Olhou nos arredores e nada, abriu a gavetinha e nada, passou a procurar por todo o chão do quarto, olhou embaixo da cama, levantou tapetes e nada. Não estava lá e naquele momento já estava bem acordado para perceber a gravidade da situação.
- Volta pra cama, paixão - disse Fernanda, com a voz sonolenta. Ele, entretanto, não tinha ouvidos para ela. Revirava os bolsos das calças, virava a mala de cabeça para baixo, abria as gavetas e as portas do guarda-roupa repetidamente e chegou a procurar dentro de sapatos. O desespero se transformava em um suor quente que escorria pela sua face e em um tremor que tomava conta de suas mãos. “Puta que pariu!”, pensou ele parado no meio do quarto enquanto tentava inutilmente reconstituir os seus passos do dia anterior. Não conseguia pensar em como poderia ter perdido o anel – chegara em São Paulo havia três dias, falsa viagem de negócios, a amante é que morava providencialmente em outra cidade. Não, a aliança não tinha saído do quarto em nenhum momento e o vôo de volta para casa era em 5 horas. O que ele diria para a esposa?
Talvez encontrar a desculpa não fosse assim tão difícil se ele já não tivesse inventado outras tantas em outras viagens. A aliança já tinha caído no ralo do banheiro, já tinha sido roubada e inclusive engolida pelo cachorro de um amigo. A mulher aceitara essas explicações sem apresentar nenhum questionamento. Dessa vez, entretanto, ele não conseguia pensar em nada que explicasse o seu retorno para casa sem a aliança. E ele tinha a melhor esposa do mundo, dedicada com ele e com as crianças, exímia dona de casa, bonita e sempre impecável. Então por que a amante? Isso era claro, esposa era esposa, a outra era a outra. Lembrou-se que ela o esperaria como sempre com um jantar delicioso, se lembrou que ela ligava pontualmente às 18h todos os dias em que ele estava fora, assim ele não precisava ligar e nem se preocupar com uma ligação inoportuna.
Fernanda acordou e ele nem lhe deu atenção, resolveu sair e perguntar na portaria do prédio, nos restaurantes onde tinham jantando, em todos os lugares onde pode lembrar. Nada, era inútil, havia perdido a aliança. “Imbecil!”- falou alto, recebendo olhares de estranhamento dos vizinhos que estavam com ele no elevador. Voltou para o apartamento e imaginou a situação: ele diria que tinha perdido a aliança, a esposa prontamente desconfiaria e exigiria melhores explicações, ele, já demonstrando nervosismo, seria incapaz de apresentar qualquer justificativa decente e entregaria anos de viagens falsas e gastos excessivos com o que ele sempre chamara de “investimentos profissionais”. Ela choraria e ameaçaria ir embora, gritaria impropérios e ele teria que aceitar porque a culpa era toda dele. “Imbecil!”.
Foi embora brigado com a amante, sabia que ela o tinha xingado muito, mas a preocupação com a volta para casa era tanta que ele não ouviu uma palavra sequer. No avião, pensou que talvez devesse ter tentado comprar outra em São Paulo, mas sabia que a esposa era observadora e perceberia qualquer mínima diferença. Será que não tinha procurado direito? Já era tarde demais, suava muito e a aeromoça perguntou se ele estava se sentindo bem. “Medo de avião”, ele respondeu. Chegou em Porto Alegre e apanhou um táxi para casa. O momento do confronto estava próximo. Ela perceberia na mesma hora.
Abriu a porta de casa e a esposa desceu correndo as escadas. “Meu amor!” – ela disse – “Bastam poucos dias para eu quase morrer de saudade!” Deu um longo abraço no marido, contou algumas novidades e o achou estranho.
- Tudo bem?
- É... mais ou menos, meu amor. Vou te dizer agora, antes que tu pergunte, olha só – falou mostrando a sua mão – perdi a aliança, foi quando eu fui jantar na casa do meu colega e acho que a minha mão estava...
- Ah, tudo bem, querido – disse ela, dando um tapinha na bochecha do marido – a gente manda fazer outra pra ti.
Quando ela virou as costas, ele fechou os olhos e respirou com alívio. Finalmente largou a mala e, enquanto se dirigia ao quarto, contemplou a perfeita organização da casa. Chão encerado, almofadas metodicamente arrumadas no sofá, a cama impecavelmente feita e o banheiro perfumado. Ela sabia que ele gostava da casa em ordem. Não percebeu que o rolo do papel higiênico encontrava-se do mesmo tamanho e que o tubo de pasta de dente continha a mesma quantidade de pasta. Foi tomar banho e nem percebeu que, na verdade, estava tudo do mesmo jeito que ele havia deixado.