sábado, 25 de julho de 2009

O tempo que resta

- Seu João - disse o médico, receoso – lamento informar que o senhor tem apenas três meses de vida. E para João até aquela pausa entre o seu nome e o “lamento” parecia uma grande perda de tempo para quem tinha apenas mais três meses para viver.
Não deu tempo ao desespero, não havia muito o que fazer. Visitou a mãe, as tias, a irmã e as primas. Achou-as envelhecidas. Perguntou-se se o tempo teria sido tão cruel com ele também. Mas isso não tinha mais importância. Passou a andar a pé ao invés de carro, percebeu que mal conhecia sua própria cidade. Comprou um avião de controle remoto e uma revista Super Interessante. Pediu uma pizza no jantar. Um dia, se acordou e se olhou no espelho e, vendo o fantasma da morte refletido junto a sua sombra, tomou a grande decisão. Colocou a sua melhor roupa, aquela que ainda estava intocada no armário. Bateu na porta da casa de Joana e a própria abriu. Sem que ela abrisse a boca, ele disse que a amava, que sempre a tinha amado e que a esperaria até a morte. E foi embora.
Encontrou velhos amigos e eles estavam velhos. Percebeu que não os conhecia mais. Conversaram até tarde da madrugada e, no outro dia, ele dormiu até às três da tarde. Fez uma viagem a um lugar com neve, a um lugar deserto e a um lugar com mar. Comeu doce de leite direto do pote e saiu de casa sem pentear o cabelo. Tomou um banho de uma hora na banheira. João fez o que antes abominava: implante de cabelo. E não foi só isso. Tingiu o cabelo da cor mais parecida com a sua cor natural. Leu as revistas de fofocas e assistiu à novela, sem culpa. Seguiu tomando café da manhã com o Seu Constâncio, dono da padaria, mas, pela primeira vez, prestou atenção no que ele tinha a dizer. Que homem interessante ele! Nunca tinha se dado conta.
O fim dos três meses estava próximo e ele foi no médico fazer exames. O médico disse:
- Seu João, fico feliz dizer que o senhor está bem melhor. Tem agora mais uns 6 meses de vida.
João ouviu a notícia com alegria e foi para casa. Ligou para a mãe, as tias, a irmã e as primas. Achou que por telefone elas pareciam melhor que pessoalmente. Saiu para jantar sozinho em seu restaurante preferido e depois foi ao cinema. Pela primeira vez, aceitou o convite do vizinho e foi ao um churrasco na casa dele. Tinha passado a maior parte de sua vida morando ali e se esquivando dos convites do vizinho. O churrasco estava muito bom e ele capotou na cama, pesado. Tempos que ele não comia tanto – coisa boa, ele pensou. Penteou os cabelos antes de sair de casa e pôs os chinelos apropriados, aquela história de sair de pantufas e de cabelos desgrenhados era ridícula, o que os outros iriam pensar? Olhou-se no espelho e sentiu vergonha quando se lembrou da declaração de amor, fez papel de besta. Foi numa locadora e pegou todos os filmes que sempre teve vontade de assistir. Ouviu as mensagens dos amigos na secretária eletrônica e não retornou, afinal, eles não tinham mais nada em comum. Devolveu metade dos filmes sem assistir e, durante café da manhã com Seu Constâncio, sentiu necessidade de ler o jornal.
Passados seis meses, ele retornou ao médico. Fez um série de exames e o médico lhe deu as boas novas:
- Seu João, o senhor não precisa mais se preocupar. A doença regrediu, o senhor tem mais uns bons anos, isso eu posso garantir.
João foi embora do consultório um pouco confuso. Chegou em casa e não ligou pra ninguém. Ligou a televisão e passou pelos canais sem prestar atenção em nada. Requentou a comida do almoço e foi dormir. Tomou café da manhã sozinho. Fez as compras no supermercado e fugiu dos cumprimentos do vizinho. Quando os amigos ligaram, tratou de combinar saídas que nunca se realizariam. Retomou a sua rotina parada de aposentado. Comia vegetais e frutas e nunca mais pediu pizza. Voltou a não ter mais paciência com o Seu Constâncio. Traçou novos trajetos para não ter que passar pelo constrangimento de encontrar Joana. Dormiu às 22h e acordou às 8h. Resolveu que tinha que dar um jeito naquele cabelo implantado, antes ainda ser careca. A mãe, as tias, a irmã e as primas acharam que agora ele tinha voltado ao normal. E o doce de leite, agora, só com pão.

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